sexta-feira, 1 de agosto de 2003

Considerações sobre o Crime de Omissão de Receita

(Publicado originalmente na Revista do FISCO-PB, agosto/2003, João Pessoa-PB, p. 12)

O crime cognominado pela doutrina e jurisprudência de Omissão está previsto no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que define os Crimes Contra a Ordem Tributária. Segundo essa norma, constitui crime “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

Sem dúvida, tal delito é um dos mais praticados contra a ordem tributária. Ora, toda vez que o comerciante omite-se de emitir nota fiscal de saída da mercadoria, de faturar a saída dela, ele leva à crença de que tal produto ainda consta de seu estoque e, como não foi alienado para o consumidor final – que realmente paga pelo tributo, em especial pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS – não haveria, portanto, o fato gerador da receita e, em decorrência, a obrigação de recolhimento. O crime só se consuma, pela sua própria redação, com a expiração do prazo legal para o recolhimento do tributo.

Quando constatada a omissão de receita, o comerciante infrator é autuado pelos fiscais e inicia-se procedimento que visa à inscrição daquela dívida apurada, com multas e juros legalmente previstos, para a execução fiscal (Lei nº 6.830/80) da certidão de dívida ativa, a CDA.

Uma forma eficaz de constatar o não-recolhimento dessa receita é o confronto entre o livro de estoque ou inventário e os materiais que efetivamente constam no lugar designado como estoque da firma comercial. Certamente, o livro conterá muito mais mercadorias do que contem o estoque físico.

Além do procedimento executório fiscal, onde se almeja o ressarcimento do erário da quantia que dolosamente deixou de ser recolhida, toda omissão de receita, nos moldes referidos, por satisfazer a conduta típica descrita na norma penal incriminadora, é crime de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público dar início à persecução criminal, após reunir indícios da materialidade do delito e de sua autoria, via de regra fornecidos pelo órgão estatal competente, e que podem se constituir no auto circunstanciado de infração, termo de fiscalização, depoimentos dos agentes fiscais, etc.

Mesmo que se trate de uma sociedade comercial, os seus representantes que tinham algum poder de administração ou gerência e por isso lhes cabia a obrigação tributária, respondem penalmente pela omissão de receita, não ocorrendo o mesmo com sócios sem poder gerencial do negócio, como os cotistas ou acionários.

Em sede de processos-crime para a apuração de tais infrações é comum que os comerciantes aleguem genericamente as dificuldades financeiras do comércio ou, em especial, o setor ligado à sua atividade comercial, dizendo que foram praticamente forçados ao não recolhimento do tributo pelas dificuldades financeiras por que passava.

Esse argumento visa à tese de que a sua omissão dolosa – não recolhimento do imposto – estaria acobertada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade (art. 23, I, e art. 24, ambos do Código Penal). É claro que dificuldades financeiras cabalmente demonstradas podem se constituir em estado de necessidade que levem a firma recolhedora à sonegação ou, como amenizam os praticantes, à inadimplência.

Alguns julgados dos tribunais pátrios entendem que não é o caso de estado de necessidade, mas de inexigibilidade de conduta diversa, circunstância que exclui a punibilidade. De qualquer forma, tanto o entendimento supra quanto esse resultam na absolvição do réu (art. 386, V, do Código de Processo Penal) e pedem prova plena desses problemas financeiros, a qual se constitui em ônus da defesa que a alega.

Simples afirmações genéricas acerca dos problemas econômicos do nosso país ou da área de comércio ou prestação de serviços da firma que se omitiu em recolher o tributo não geram a prova suficiente para o reconhecimento do estado de necessidade. Há a necessidade da trazida de testemunhas, balancetes que comprovem essa situação, demonstrativos de bens dos acusados de sonegação e, lembrando o que assevera o mestre tributarista Hugo de Brito Machado, prova de que os empresários a quem compete o recolhimento do tributo “depende da empresa para sobreviver, por isto mesmo equiparáveis ao do tradicional exemplo do furto para matar a fome” (MACHADO, Hugo de Brito. Algumas questões relativas aos Crimes Contra a Ordem Tributária. Disponível na Internet: . Acesso em 03. mar. 2003.). Não se admite que o comerciante continue a ter carro de luxo, imóveis e contas bancárias abastardas diante de tais dificuldades financeiras, relegando para segundo plano as suas obrigações tributárias.

Na prática, os bens pessoais do comerciante restam intocáveis e não se preocupa ele com sacrificar o seu comércio, pois abre outro, em seu próprio nome ou com um “testa-de-ferro” ou, como tem se popularizado, um “laranja”, deixando aquele com dívidas tributárias, civis e trabalhistas.

O melhor remédio para a Justiça ir ao encalço daquele sonegador ou devedor, quando se trata de dívidas civis, é a utilização, ainda tímida, do instituto da despersonalização da pessoa jurídica, que persegue os bens particulares daquele comerciante para a quitação das obrigações do seu comércio.

Por fim, lembramos da importância da conscientização da população, desde jovem, de que o tributo pago reverte-se na forma de benfeitorias e serviços estatais para o próprio contribuinte e toda a sociedade e não, como propalam alguns mais injuriosos, para o chefe do Poder Executivo.