domingo, 19 de dezembro de 2010

Espaço Cidadão (Alimentos II)

Continuando com o tema "Alimentos", na sistemática de perguntas e respostas, utilizando o linguajar popular nos termos da proposta deste Espaço Cidadão.

“Que história é essa de uma ‘parte’ do salário dele ou do salário mínimo na fixação dos alimentos?”

- Fixar os valores em reais (R$) iria gerar, sempre que os rendimentos do alimentante fossem reajustados, uma ação de revisão, na exata proporção desse reajuste, para mais ou para menos. Por isso, o Supremo Tribunal Federal – STF entendeu possível indexação dos valores das pensões alimentícias em percentual do salário mínimo, se for trabalhador autônomo, ou dos rendimentos do alimentante, se tiver emprego fixo.


“E como eu acompanho isso ou tenho certeza do valor que é o certo?”

- Se os alimentos foram fixados em 15% do salário mínimo, basta multiplicar esse valor – atualmente R$ 510,00 – por “0,15”, por exemplo. Se for 28% dos rendimentos e ele ganha R$ 900,00, multiplica-se esse valor por “0,28” em qualquer calculadora. O resultado é o valor que deve ficar os alimentos.


“Eu fui mulher dele por vários anos, não mereço uma pensão?”

- Pensão não é indenização por “ser mulher” ou conviver. Aliás, é pacífico nos tribunais que mulher relativamente jovem e apta para o trabalho
não recebe alimentos. É outro motivo pelo qual é estimulado que a mulher não deixe seu emprego ou, se não tiver, que não deixe de procurar, ao se casar ou iniciar uma convivência.

“Eu também sustento o filho de minha nova mulher e essa. Isso não faz diminuir a pensão do filho da ex-mulher?”

- Não. Quem deve contribuir com o sustento do filho da atual esposa são os pais dele, sua esposa e o pai biológico dele. Concentre-se naquele que foi gerado por você e, por isso, a lei lhe impõe o dever se sustentá-lo. Também, uma nova esposa ou companheira, pela já compreensão já exposta que ela é uma pessoa produtiva e até capaz de dividir as despesas do lar, não enseja diminuição da pensão.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Espaço Cidadão (Alimentos I)

(Publicado originalmente no Informativo TJPB e Esma de dezembro de 2010, p. 09)
Há algum tempo, já tínhamos essa idéia e, espondo-a para a Coordenadoria de Comunicação Social do TJPB, fomos convidados para esse “artigo” destinado ao cidadão, ao popular, numa linguagem que fosse compreensível e abordando dúvidas jurídicas do cotidiano e que, muitas vezes, são informadas somente pelo juiz, na audiência. Afinal, acreditamos que o conhecimento dos direitos e, consequentemente, dos deveres por cada um de nós é essencial, não só para o exercício da cidadania e evitar a litigiosidade, atacando o conflito antes que ele se instale. O tema deste texto será Direito de Família, mais especificamente, o instituto dos Alimentos.

“Já dou alimentos! Eu levo a ‘massa’ e leite do menino, isso não basta?”
- Quando a lei diz que os pais devem alimentos aos filhos menores, não está apenas falando em alimentação. No sentido jurídico, alimentos envolvem tudo que é necessário à subsistência do alimentando, ou seja, alimentação, vestuário, saúde, higiene, educação, habitação, lazer, etc.
“Esse valor que o Sr. botou ‘pro’ pai dele pagar não dá para sustentar o menino! O que é que eu faço?”
- E não é para dar! Afinal, como dito na resposta anterior, os pais, ambos, ou seja, o pai e a mãe devem alimentos e não só o pai. Assim, se um contribui financeiramente, é para o outro, a mãe, também contribuir, já que a obrigação de sustento é igual. Todos sabem disso, mas alguns não querem ver. Têm uma idéia machista, inadequada e legalmente inaceitável da figura do homem como único provedor da família.
“Quanto é o valor para dar para cada criança?”
- Não há um valor previamente definido na lei, não há uma tabela. A fixação dos alimentos obedece uma ponderação entre a necessidade do alimentando (que recebe alimentos) e a possibilidade do alimentado (que os paga). É interessante ver que a existência de outros filhos do alimentante diminui o valor que o o alimentante deve pagar individualmente a cada filho e a lógica disso é bastante compreensível, “do mesmo bolso que saía comida para dois, agora, sai para três”.

domingo, 24 de outubro de 2010

Comentários ao art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06

(Artigo elaborado e publicado em junho/2008, no site Correio Forense, mas que não tinha
lançadoainda neste meu espaço e, como se mantém atualizado, merece ser replicado)

O § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, 23 de agosto de 2006, apresenta a seguinte redação:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Desde logo, convém elogiar a posição do legislador que procurou criar um mecanismo através do qual o juiz possa melhorar a situação daquelas pessoas que ainda não estão completamente corrompidas pelas organizações criminosas, dando-lhes a possibilidade de se recuperarem. Buscou, assim, estabelecer uma punição adequada que satisfaça às finalidades de retribuição e de prevenção (geral e especial) da pena, sem que seja necessária toda a força prevista para o delito, com pena in abstracto que varia entre 05 e 15 anos de reclusão e 500 a 1.500 dias-multa.
As condições elencadas são indubitavelmente oportunas, pois excluem aqueles mais ligados aos diversos crimes, com maus antecedentes, reincidentes e aqueles que integram organizações criminosas – das quais, em regra, não se sai com vida. Neste ponto, impõe-se uma pergunta: qual elemento ou quais elementos o magistrado fixador da pena levará em consideração para diminuí-la diante da amplitude dessas frações (um sexto a dois terços)?
Veja-se que no ordenamento jurídico penal são contempláveis dois tipos de causas especiais de aumento ou diminuição de pena, as de fração fixa (p. ex. o 1/3 do furto noturno ou o 1/2 pelo fato do agente ser pai da vítima nos crimes contra os costumes) e as de conteúdo variável (p. ex. as majorante do roubo, que variam de 1/3 até 1/2, ou a minorante da tentativa, que variam de 1/3 a 2/3).
As primeiras têm natureza objetiva, ou seja, quando verificadas, diminuem ou aumentam a pena com uma fração fixa, não permitindo ponderação, diante dessa objetividade. Já as causas de aumento ou diminuição de conteúdo variável requerem normalmente uma maior ponderação do magistrado, pois podem ser mais ou menos cumpridas, isto é, permitem que o magistrado estabeleça a fração adequada ao caso concreto. A título de exemplo, citamos a minorante da tentativa (art. 14, § 2º, parágrafo único, do CP). Nesse caso, de acordo com a maior ou menor distância entre a conduta e a consumação do crime, pode o julgador optar por diminuir mais ou menos a pena, numa proporcionalidade direta. O mesmo acontece na hipótese de várias outras minorantes e majorantes.
A minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, apesar de conter várias condições objetivas, não estabelece uma fração fixa, mais uma faixa de frações. Trata-se de uma situação incomum na sistemática do ordenamento jurídico penal já esboçada, pois o magistrado não tem um norte para ponderar a ampla faixa de diminuição da pena, no caso de 1/6 a 2/3. Por outro lado, não se pode imaginar que a intenção do legislador, ao criar a norma, foi que algumas daquelas condições possam não ser cumpridas. Todas devem ser cumpridas, conforme demonstra a conjunção “nem” utilizada para ligar seu último elemento.
Guilherme Nucci – trazendo luz para esta questão – recomenda, de forma oportuna, a utilização dos “elementos do art. 59 do Código Penal, com a especial atenção lançada pelo art. 42 desta Lei”[1]. Alerta, entretanto, para o perigo do bis in idem que pode ocorrer na aplicação dessa terceira fase (própria para as minorantes e majorantes) dos mesmos critérios existentes para a fixação da pena-base. Neste ponto, convém lembrar que constitui princípio da aplicação da pena a utilização, na fase mais qualificada, de circunstância que possa servir em duas fases distintas.
Outro ponto relevante do dispositivo em estudo é a expressa vedação da conversão da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, quando da aplicação dessa causa especial de diminuição de pena. À primeira vista, parece ser uma simples restrição. Entretanto, para termos outra compreensão, devemos estar atentos à regra de interpretação que afirma a inexistência de palavras desnecessárias e inúteis na lei, especialmente ao teor do art. 44 da Lei de Drogas:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Ora, se o art. 44 da citada lei já prevê a impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, para que o mesmo comando no art. 33, § 4º? Em resposta, entendemos que não há redundância. Como a norma em estudo (art. 33, § 4º) prevê uma série de condições que, se atendidas, gerarão direitos para o agente do ato criminoso, essa aparente restrição pretende, na verdade, conceder ao incriminado que satisfaz aquelas condições todos os direitos que foram negados no art. 44, restando apenas a impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Observe-se que a regra geral do art. 44 é atenuada pela norma especial do art. 33, § 4º, que, como condição especial, restringe as proibições apenas à impossibilidade de conversão da pena aplicada.
Assim, se o indivíduo condenado por tráfico de drogas a uma pena-base de seis anos, permanecendo esta na segunda fase (de atenuantes e agravantes) satisfizer as condições previstas no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, pode ter a pena privativa de liberdade diminuída de 2/3 (indo para dois anos), além de poder ser beneficiado com a aplicação de sursis da pena e indulto. Importante assinalar que graça e anistia são vedações constitucionais (art. 5º, XLIII, da CF) e não há a menor possibilidade de abrandamento dessa norma estabelecida na Lei Maior.
Essa nos parece ser vontade da lei, preocupada em dar uma nova chance àqueles que, numa primeira desventura, enveredam pelos crimes mais graves ligados a drogas e entorpecentes. A vontade da lei toma por base a política de combate ao tráfico, que assim pode ser expressa: por um lado, quer dar nova oportunidade àqueles que ainda podem se redimir e, por outro, quer punir exemplarmente aqueles que teimam em se desviar da boa conduta. Através da flexibilização estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, concretiza-se a intenção da Constituição Federal que sabe ser um manancial de direitos e, ao mesmo tempo, sabe dar ao criminoso a punição esperada pela sociedade ante o cometimento de uma espécie de crime que a aflige mais e mais a cada dia.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008. p. 331.

terça-feira, 20 de julho de 2010

O Tribunal de Justiça da Paraíba, a Escola Superior da Magistratura e o ensino à distância: TJPB & ESMA x EAD

INTRODUÇÃO
O mundo vive uma complexidade crescente. Tão complexo que não mais vivemos sem nosso celular ou acesso à Internet que não tínhamos há 15 anos ou sem o smart phone que não tínhamos há cinco anos.
É claro que, algumas dessas mudanças por maior complexidade que envolvam, vêm para simplificar nossas vidas. Para que combinar precisamente horário e local de se encontrar com a esposa num shopping, se podemos ligar para ela e acertar um local a qualquer momento? Só sentimos a importância dessas "simplificações" quando, por algum motivo, somos provados delas.
No entanto, há quem continue buscando a simplicidade em tudo. Até para falar, usamos apelidos e diminutivos de nomes. A própria existência de siglas é uma prova disso.
Algumas siglas estão tão incorporadas no meu cotidiano que tenho que recorrer à mente para  retornar à origem. Recentemente, se destacam TJ ou TJPB, ESMA e EAD, em particular por se encontrarem extremamente entrelaçadas.

A CONEXÃO
A Escola Superior da Magistratura da Paraíba, ESMA-PB, apesar de contar com a tradição de 27 anos do Curso de Preparação para a Magistratura – CPM, vem, cada vez mais, cumprindo o seu papel constitucional (art. 93, III, c, e IV) de promover cursos oficiais de aperfeiçoamento para seus magistrados.
Esse sensível desempenho não seria possível se não houvesse a soma de dois fatores: o dinamismo e empenho da Diretoria, em especial do Diretor, Des. Márcio Murilo da Cunha Ramos e o extremo apoio do Presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Des. Luís Silvio Ramalho Júnior, pois, sendo a ESMA apenas um órgão do TJPB, sem maior expressão orçamentária ou autonomia administrativa para contratar, nada seria realizado sem esse apoio.
 É claro que o apoio da administração do TJPB tem seu preço, o zelo, a procura pela maior eficiência dos recursos, conseguir mais e melhor com o menos, ou seja, mais treinamento e de melhor qualidade com o menor gasto de recursos financeiros.
Veja-se que a maior parte da despesa com o treinamento de magistrados não é com o material - normalmente pastas, canetas, blocos e CD´s gravados com algum conteúdo escrito maior - ou com a vinda de palestrantes de renome, mas com a necessidade de pagamento de diárias aos magistrados – necessárias e legais, na forma do art. 8º, § 2º, da Resolução 106 do CNJ. Some-se a esse último item a despesa, quase impossível de ser aferida, com a redesignação de audiências e toda a movimentação da “máquina judiciária” que isso implica (tempo dos magistrados para o despacho de redesignação, de serventuários para o seu cumprimento, técnicos e oficiais de justiça, espaço em diário da justiça para notas de foro ou editais, papel para novos mandados, etc.).
Nesse contexto, no sentido e equacionar essa difícil tarefa, surge a educação à distância - EAD, pois ela permite, a um só tempo, o aproveitamento dos recurso financeiros, pois anula o gasto com o deslocamento dos magistrados, e o aproveitamento dos “recursos judiciais”, pois o magistrado é atualizado, treinado ou aperfeiçoado não faria o curso no horário ou dia de audiências, mas de acordo com sua conveniência e a da sua pauta, sem a necessidade de adiamentos ou redesignações de audiência.

OS PROBLEMAS
Apesar da extrema boa vontade e da enorme capacidade de trabalho das Coordenadorias Administrativa e Pedagógica da ESMA, para montar um curso em educação à distância isso não basta. Há necessidade de buscar recursos técnicos de informática externos.
Inicialmente, parece ser adequado recorrer à Secretaria de Tecnologia da Informática – STI do TJPB, mas não o é. Os patamares de excelência a nível nacional alcançados por esse órgão, a exemplo da exportação para todo o Brasil o sistema de processo virtual em Execuções Penais, que foi recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça, ou deu o pontapé inicial ao sistema de processo virtual E-Jus, são árduos e, em termos práticos, exaurem a sua capacidade produtiva, ademais com tantas metas a desenvolver e implementar no plano estratégico do TJPB. Ademais, podemos assegurar que uma das prioridades da atual Diretoria da ESMA é a “proatividade autossustentável”, ou seja, fazer as coisas acontecerem sem dar trabalho – ou, ao menos, com um mínimo de trabalho – dos demais órgãos do TJPB.
Sabedora desse contexto, como poderia a ESMA propor o desvio de recursos humanos e financeiros para desenvolver tecnologia necessária de educação à distância? Treinar técnicos hábeis em algum ambiente virtual de aprendizagem, implementar esses recursos não são tarefas realizáveis da noite para o dia.

AS SOLUÇÕES
Na procura e informações, encaixou como a mão à luva a oferta do CNJ de vagas para o 1º Fórum de Educação a Distância que ocorreu em Brasília-DF, de 25 a 27 de novembro de 2010. Nesse evento, os representantes da ESMA tiveram uma noção mais concreta do que é o EAD, seus fundamentos, suas necessidades técnicas e de recursos humanos, seu planejamento advieram da participação de representantes da ESMA nesse evento. Também, de forma abençoada, tivemos excelentes informações do trabalho realizado pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB nessa área.
Procurando a UFPB, ficamos entantados com as propostas, inclusive com possibilidade de repasse de tecnologia exatamente no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) recomendado pelo CNJ, o Moodle, sendo iniciados contatos para verificar a possibilidade de firmamento de convênio entre aquela instituição de ensino e o nosso tribunal e, podemos assegurar que esse instrumento está em vias de ser celebrado e possibilitará o treinameto dos professores, alunos (magistrados e servidores do Poder Judicário paraibano) e a equipe de secretaria da ESMA, além da formação de tutores e designers instrucionais e/ou, de acordo com a necessidade, a utilização desses ultimos profissionais disponibilizados pela "UFPB Virtual".
Também, como solução paleativa, enquanto não finda todos os preparativos legais do convênio, o treinamento dos recursos humanos necessários e o planejamento pedagógico e a própria realização os cursos com "DNA" da ESMA, foi celebrado e encontra-se em vigor convênio do TJPB, tendo a ESMA como órgão executor, e a Escola Paulista da Magistratiura - EPM para oferta cursos de aperfeiçoamento dessa escola para os magistrads paribanos.
Some-se a todas essas realizações ligadas a EAD o treinamento à distância que está sendo feito no Curso de Formação de Tutorese Coordenadores em EAD promovido pelo CNJ, uma iniciativa que deve ser aplaudida, pois é sabido que não se pode cobrar resultados sem que sejam dados os meios de sua exequibilidade.

A EXPECTATIVA
A expectativa para os primeiros cursos da ESMA por meio de EAD são grandes, mas nesta dimensão também devem ser os cuidados, o planejamento e a dedicação para sua realização.
A simplicidade que buscamos não está no menor esforço para nossas ações ou na simplificação deste texto com a infnidade de siglas que contém, mas no "simples"  desejo cristão de querer o bem e fazer o melhor para o nosso semelhante.
A equipe da ESMA está irmanada na intenção de propiciar para os magistrados e servidores, cursos que lhes permita, de qualquer forma, uma maior qualidade, celeridade ou efetividade numa prestação jurisdicional que, um última análise, concretize a justiça.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Comentários ao Manual de Práticas Cartorárias Criminais - I


Inicialmente, deixamos claro que as críticas constantes deste artigo têm a intenção de agregar, afinal o Manual de Práticas Cartorárias Criminais elaborado pela Coordenadoria de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Programas Especiais - CODES tem grandes méritos técnicos – fato que já esperávamos, após verificar ser a Comissão de Elaboração composta por juízes, servidores e funcionários verdadeiramente compromissados com a prestação jurisdicional de qualidade.
Ademais, estas linhas foram solicitadas pela própria presidente da comissão, na intenção de constituir-se numa revisão teórica dos temas jurídicos abordados e numa confiança em nosso trabalho somente explicável pela amizade que nutrimos reciprocamente ao longo de mais de quinze anos.
De forma geral, raramente são feitas referências aos dispositivos legais ou normativos de qualquer espécie – Resoluções do TJPB ou do Conselho da Magistratura e Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça – responsáveis pelos ensinamentos, o que dificulta a revisão e o salutar questionamento pelos seus leitores.
Não encontramos esclarecimentos sobre o pedido de interceptacão telefônica (Lei nº 9.292/96) e a Resolução 57 do CNJ, que é bastante esclarecedor e didático e deve ser lido não só por juízes, mas pelos servidores das varas criminais, da distribuição criminal e todos os operadores do direito penal.
PÁGINA 09 - atenta-se a necessidade da queixa-crime, na ação penal privada, de existência de procuração e, salvo exista pedido de gratuidade judiciária, da guia de pagamento das custas processuais. No entanto, poder-se-ia atentar que, na forma do art. 44/CPP, aquela procuração conter poderes especiais para intentar ação penal provada, ou queixa-crime, e, ainda, conter breve exposição do fato criminoso. Também, quando se refere ao Boletim Individual, que deverá acompanhar o inquérito policial e ser cadastrado no SISCOM, não há referência ao didático Provimento 15/2006 da Corregedoria Geral de Justiça da Paraíba.
PÁGINA 10 - o item 1.4 não esclarece que as custas e diligências só existem na ação penal privada, caso em que também deverão ser pagas antecipadamente.
PÁGINA 12 - Na segunda anotação ao item 2.2.5, não é lembrado que o pedido de restituição de bens apreendidos pode também ser feito em sede da ação penal.
PÁGINA 15 - a terceira anotação ao item 3.5 diz explicitamente que as fianças quebradas ou perdidas terão seus valores recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma dos arts. 345 e 346/CPP. No entanto, tais artigos foram derrogados pelo inciso VI do art. 2º da Lei Complementar 79, que é posterior e determina que a destinação seja o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN. Na mesma PÁGINA, há recomendação de que drogas apreendidas devem ser devolvidas imediatamente à Delegacia de origem (primeira nota ao item 4.1), mas as delegacias estaduais não tem qualquer know-how com isto e, muito menos, um controle dessas drogas, sendo muito melhor que, se em pequena quantidade, acompanhe o processo para fins de contra-prova do exame químico-toxicológico e, se em quantidade considerável, separada uma quantidade pequena para contra-prova e a parte sobejante seja incinerada, na forma insistentemente determinada pela Lei de Drogas, Lei nº 11.343, arts. 32, §§ 1º e 2º, e58, § 1º.
PÁGINA 16 - o último item da PÁGINA lembra que o mandado de citação deve conter a informação do prazo de dez dias para responder à acusação, mas entendo que deveria também constar a advertência da implicação do réu não efetuar tal resposta - o decreto de revelia do art. 367/CPP - e a informação que poderá declinar ao oficial de justiça ou em cartório a ausência de meios materiais de constituir advogado e rogar pela nomeação de um defensor público ou, na ausência deste, de um dativo pelo magistrado.
PÁGINA 18 - o item 5.2.3.4 apresenta grave erro, quando assevera: "o prazo do edital será contado a partir do primeiro dia útil subsequente à sua publicação, acrescentando a essa contagem o prazo de 10 (dez) dias". Como sabem muitos, para fins de contagem de prazo de ato processual procedido através de edital, quinze mais dez é diferente de vinte e cinco. Não, não estamos enganados nem pretendemos revolucionar a matemática. Ocorre que a lei procesual tem três regras que merecem ser relacionadas: 1) considera praticado o ato de conhecimento no ultimo dia do prazo do edital; 2) caso este último dia seja num dia não-útil, considera-se praticado o ato no primeiro dia útil seguinte; 3) os prazos dos atos se iniciam no dia útil seguinte ao ato de conhecimento (intimação, citação ou notificação). Assim, da conjunção dessas regras, podemos estabelecer hipóteses em que a data final do prazo do edital seja um dia não-útil ou, até mesmo, véspera de um dia não-útil – como as sextas-feiras ou feriados – e o inicio do prazo para a prática do ato será postergado, com perceptível dilação do prazo, por existirem dias não "contáveis" entre o final do prazo do edital (data do ato de conhecimento) e o inicio da contagem do prazo do ato.
Como ainda há muitas referências por fazer, este post será seccionado com continuação vindoura.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Sentença do Caso Nardoni: Uma Abordagem Técnica

Como juiz, professor de Direito e autor de um livro intitulado Manual de Sentença Criminal, começaram a abundar indagações sobre a sentença, obviamente, sobre aspectos técnicos dela. Para não ser  redundante, omisso sobre alguns pontos ou impreciso, por não estar sempre com cópia da decisão, resolvi promover um estudo simples sobre aquela decisão.
O inteiro teor da sentença pode ser achado em vários sites da Internet, mas tomarei por base esta do site da Globo, por ter o vídeo da leitura da sentença comprovando sua fidedignidade.
De logo, verificamos que a sentença, seguindo a tradição dos julgados de primeiro grau do Estado de São Paulo, não foi dotada de ementa. Sabendo que a sentença seria lida por milhares de leigos, poderia ter o prolator feito uso desse interessante expediente. No entanto, como não é requisito formal, em nada fica maculada a decisão.
O relatório da decisão foi impecável e dotado de todas as qualidades necessárias a essa fase. Num momento de excesso de zelo, talvez tivéssemos nos referido à data de decretação da preventiva e sua fundamentação, mas não é nada que tenha maior implicação.
Quando iniciamos a leitura da fundamentação, alguns podem pensar que esse não é o lugar para o juiz fundamentar os elementos da dosimetria e, por isso, cabe lembrarmos a existência de dois métodos de análise dos elementos da dosimetria: num deles, há o dispositivo da sentença condenando o réu nas penas do crime  in abstracto, ou seja, não dizendo explicitamente a quantidade de penas e, logo após, inicia-se a dosimetria e, no curso desta, promove-se a análise motivada dos elementos da dosimetria e a quantificação matemática; noutro método, o utilizado pelo prolator da sentença ora comentada, após a indicação que haverá condenação, faz-se a análise de todos os elementos da fixação da pena e os cálculos matemáticos para, somente após, afirmar-se da procedência, parcial ou total, da denúncia para, em seguida, afirmar do total da pena imposta ao delito ou, se mais de um, aos delitos.
Sem dúvida, um erro capaz de gera a nulidade da sentença foi o de não se preocupar o juiz prolator com a individualização da pena, não deixando clara a culpabilidade de cada um dos réus. Não entendemos como "individualização" referir-se à conduta dos réus de forma simultânea e, como se constata, vaga. Ademais, estarreceu-nos a transcrição, na sentença, de ensinamento do jurista e magistrado Guilherme Nucci, no qual ele já alerta dos perigos da mitigação da individualização da pena:
Quanto mais se cercear a atividade individualizadora do juiz na aplicação da pena, afastando a possibilidade de que analise a personalidade, a conduta social, os antecedentes, os motivos, enfim, os critérios que são subjetivos, em cada caso concreto, mais cresce a chance de padronização da pena, o que contraria, por natureza, o princípio constitucional da individualização da pena, aliás, cláusula pétrea (NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena, 2. ed., São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 195).
Como se não bastasse esta nulidade insanável, presente na dosimetria de ambos os crimes (homicídio triplamente qualificado e fraude processual qualificada), começam a aparecer, neste ponto, outros problemas de grande monta, também capazes de levar à anulação do julgado.
O primeiro deles é que não deve ser utilizada fração nesta segunda fase de fixação e o magistrado referiu-se a “1/4”, não especificando quanto caberia para cada uma das novas, enquadradas por ele no art. 61, inciso II, alíneas "c" e "d", do Código Penal. Deveria ter sido especificado quanto de pena coube à agravante da alínea “c” e quanto para a alínea “d”.
En passant, deve ser dito que a jurisprudência e a doutrina consideram que as circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuantes, devem ter gradação mais modesta, de 1/6, e para citar o mesmo autor e obra já conhecidos pelo magistrado prolator: “Temos defendido que cada agravante ou atenuante deve ser equivalente a um sexto da pena-base (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. p. 230). Isso é irrelevante neste caso, pois foram duas as agravantes que ensejaram o valor de 1/4, ou seja, praticamente cada uma teve o valor de 1/8.
O segundo, e mais grave, dos problemas da sentença foi o fato que o magistrado julgador chegou a majorar – como é normalmente chamado o acréscimo por uma causa especial de aumento de pena – em 1/3, devido à majorante do inciso V, do § 2º do art. 121/CP, e depois agrava a pena em 1/4 e em 1/6 (por ser o réu pai da vítima – art. 61, inciso II (e não “parágrafo segundo”, como afirmado na sentença), “e”, do CP) e retorna novamente à terceira fase, quando novamente majora a pena em 1/3, por conta da parte final do § 4º do art. 121/CP (vítima menor de 14 anos). No entanto, as majorantes somente devem incidir na terceira fase de fixação da pena e, depois de chegar-se àquela, não se pode retonar à segunda fase, seguindo a ordem preconizada no caput do art. 68/CP. No curso da sentença, após especificada a pena-base, da primeira fase, foi realizada providência da terceira fase, seguida de três da segunda fase (duas delas simultaneamente) e, ao final, foi novamente à terceira fase. Há grave deslocamento de uma providência da terceira fase e isto pode gerar prejuízo para os réus, diante da falta de observância pelo magistrado – ou pelo menos do fato de não ter motivado isto – a inobservância da regra do parágrafo único do art. 69/CP:
No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
Outro fato interessante é que o juiz não procedeu a limitação da pena do homicídio em trinta anos nem a soma das penas. Sim, essa não é só obrigação do juiz das execuções penais, é dever, também, do sentenciante, quando há mais de um crime, pois é com esse somatório que serão levados em consideração os benefícios dos art. 44 e 77 do CP, incabíveis, in casu, por simples verificação das quantidades das penas privativas de liberdade.
Quanto à prisão preventiva dos réus, inobstante tenha sido questionada em vários tribunais e mantida, filiamo-nos à posição do professor Luiz Flávio Gomes, no artigo Caso Isabella: Prisão Midiática. A preocupação do magistrado em justificar o injustificável, do ponto de vista processual, propiciou que mais de 2/5 da fundamentação da sentença foi somente sobre a manutenção da preventiva.
Levando em consideração que a decisão dos jurados foi exatamente a condenação pretendida na denúncia, o prolator devia ter, nos cinco dias de júri, ou até antes, se preparado para não incorrer em erros tão primários de dosimetria como a não individualização dos crimes para cada um dos réus ou a incorreta aplicação das fases do sistema trifásico de dosimetria da pena.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Sumiço e Retorno


Após um bom tempo sem escrever nada, pretendo retornar a este canal de comunicação.
Os motivos foram muitos e, apenas para conhecimento, passo a enumerar as ocupações profissionais.
  • A Vice-Diretoria da ESMA-PB consumiu muito tempo, pois estávamos em fase de preparação e Calendário, Cursos de Aperfeiçoamento para juízes, Curso de Especialização em Direitos Fundamentais, elaboração de Convênios com a Escola Paulista da Magistratura, com a UEPB, com a UFPB Virtual, além de pareceres em processo, etc;
  • A Diretoria do Fórum de Bayeux teve seu percentual de esforço;
  • Em janeiro e início de fevereiro, além das tarefas normais de Juiz da 3a Vara de Bayeux, substitui na 61a Zona Eleitoral e no Juizados Especial Misto daquela comarca;
  • O TJPB tem avançado em Gestão Estratégica e eu faço parte de duas equipes de gestão ("Ser Capaz" e "Sistemas Legados");
  • Faço parte de uma Comissão destinada a implementar perante o TJPB as Tabelas do CNJ;
  • Sou professor da ESMA-PB de duas disciplinas e, apesar de sequer alcançarem quatro horas-aulas por semana, devem ser computadas.
Também, na parte pessoal e familiar, sou pai de duas filhas lindas em período esclar e de uma esposa igualmente bela. A estas, além de dever o meu amor, sinto-me continuamente em débito, por ter tantas ocupações fora a família.
Não posso esquecer da minha participação dominical na minha Igreja e do propósito deste ano de fazer alguma atividade física.
Por tudo isto, não sobrou muito tempo para este Blog...
Como se não bastasse a falta de tempo, me flagrei numa escassez de idéias. "Deu o branco"!  Não sabia sobre o que escrever aqui - provavelmente por conta da falta de leitura jurídica nestes últimos dias.
Eu voltei e, com certeza, as idéias voltaram!
A partir desta próxima semana, farei uma espécie de anotação ao "Manual de Práticas Cartorárias Criminais" do Tribunal de Justiça da Paraíba - matérias disponívels aqui e aqui!). De logo, destaco a excelente iniciativa e saliento o bom conteúdo prático do manual e voltarei na próxima semana com comentários positivos sobre ele.