SENTENÇA
Vistos, etc.
O promovente referido no cabeçalho,
devidamente representado por sua genitora, ajuizou AÇÃO INVESTIGATÒRIA
DE PATERNIDADE em face dos promovidos igualmente referenciados,
alegando, em síntese, que sua genitora manteve relacionamento amoroso e sexual
com os dois promovidos simultaneamente, e que muito embora, um dos promovidos
tenha assumido a paternidade, a dúvida ainda prevalece, pelo que pugna, pela
investigação de paternidade. Juntou os docs.
Deferida a assistência judiciária e
determinada a citação.
Citado (id. nº 707268), o primeiro
promovido contestou o pedido, alegando que desconhece tal paternidade. Afirmou,
ainda que, se relacionou pouquíssimas vezes com o a promovente e, que a mesma
já possuía um relacionamento sério com o segundo promovido, tanto que o mesmo
registrou a criança como sendo sua. Por fim, alegou que não possui qualquer
vínculo afetivo com o menor, pelo que requer a total improcedência do pedido.
Devidamente citado, o segundo
promovido, ora pai registrado do autor, não contestou a ação (id. nº 997780).
Não houve impugnação.
Em sede de audiência de conciliação, as
partes concordaram em se submeter a exame de DNA, oportunidade em que o segundo
promovido afirmou a intenção de manter a paternidade registral e socioafetiva,
independente do resultado de paternidade.
O exame de DNA foi realizado (id. nº
1549649), declarando-se a paternidade do primeiro promovido.
Todos os presentes foram chamados para
falar sobre o doc. e apenas o primeiro promovido, se pronunciou sobre ele,
alegando, em suma, que, apesar da paternidade declarada, o segundo promovido
pretende continuar exercendo a paternidade sócio - afetiva, pelo que pede pela
total improcedência do pedido inicial.
Com vista, o representante do
Ministério Público opinou pela improcedência do pedido, sob o argumento de que
a paternidade socioafetiva estabelecida deveria preponderar sobre a biológica.
É o breve relatório.
Decido.
Na realidade,
se trata de um caso interessante, onde muito deve ser dito e não só de
elementos jurídicos.
O menor traz
na inicial uma traição havida entre sua genitora e o primeiro promovido,
enquanto convivia com o segundo promovido.
Apesar de
legalmente estar representando os interesses do filho e ser este legalmente o
autor, é óbvio que os interesses aqui discutidos são da genitora e não do
menor. Sem dúvida, apesar de vivermos numa época de valores, no mínimo,
estranhos, praticamente houve a admissão de um desvalor (traição) para obter o
quê? O primeiro promovido, até por ter contestado, não parece interessado na
paternidade e o segundo promovido, que seria expurgado dela ou, no máximo,
teria apenas uma copaternidade – segundo alguns julgados que admitem a
pluripaternidade. Assim, permanece uma incógnida quais os reais interesses por
esta ação. No entanto, não investigarei mais isso e partirei para o deslinde
jurídico.
Vê-se dos
autos que o segundo promovido, até então único genitor do menor promovente
mantém a intenção de permanecer como genitor, em atenção à socioafetividade e
interação que tem com o menor.
Por outro
lado, sem dúvida, o primeiro promovido é inarredavelmente, conforme resultado
do exame de DNA inserto nos autos, o genitor biológico do menor.
Será que a
realidade biológica e material prepondera juridicamente sobre a realidade emocional
e imaterial?
Sem dúvida,
há julgados onde é admitida a pluripaternidade ou, mais claramente, a dupla
paternidade, ou seja, constar no registro de nascimento da pessoa tanto um
genitor socioafetivo como um genitor biológico.
Também não
pretendo adentrar na seara das questões psicológica resultantes para um menor
diante de uma pluripaternidade, inclusive questionamentos não explicáveis até
certa idade para seus coleguinhas, etc., ou as dificuldades práticas, como, por
exemplo, encaixar dois nomes de pais numa cédula de identidade, num passaporte
ou num cadastro qualquer de computador que normalmente só tem espaço para um
nome.
O que importa
é que casos de pluripaternidade, quando aceitas pelo Direito e pelo Poder
Judiciário têm em comum a intenção do genitor socioafetivo, geralmente alguém
que acolheu o filho-afetivo com sua presença e o seu amor, muitas vezes diante
de um afastamento ou falecimento do genitor biológico.
No caso em
tela, o genitor reconhecidamente e inquestionavelmente socioafetivo tem a
intenção de permanecer na paternidade e o biológico, além de não buscá-la ab initio, não ajuizando a ação, não a
deseja, tanto que pede pela improcedência da ação, sempre que é chamado a falar
nos autos.
Não seria
muito pior para o menor promovente, do ponto de vista psicológico, ter um
genitor biológico ausente? É mais uma daqueles questões que não trataremos
aqui, mas que merece estudo, talvez em casos futuros, pela psicologia.
Outro
elemento é que realmente, não entendo que o vínculo biológico prepondere sobre
o vínculo afetivo o ditado popular “pai é o que cria” mostra que a verdade
afetiva deve preponderar sobre a verdade genética. “Genitor”, qualquer um pode
ser, até um estuprador! No entanto, “pai” é algo mais, é bem mais, é muito mais
que isso e não vou me deter em trazer argumentos que poderiam variar por
diversos ramos do conhecimento, de sociológicos a religiosos, pois entendo que
essa minha afirmação é autoevidente.
A jurisprudência
já abraçou entendimento que considero perfeito e aplicável ao caso:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
REGISTRO CIVIL. ANULAÇÃO PEDIDA POR PAI BIOLÓGICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PREPONDERÂNCIA.
1. A
paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmente, a
filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético
para definir questões relativa à filiação.
2.
Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrência de elementos
imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar
posse da condição de pai ou mãe.
3. A filiação socioafetiva, por seu turno,
ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que
deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a parentalidade que
nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida
no Direito de Família.
4. Nas relações familiares, o princípio da
boa-fé objetiva deve ser observado e visto sob suas funções integrativas e
limitadoras, traduzidas pela figura do venire contra factum proprium (proibição
de comportamento contraditório), que exige coerência comportamental daqueles
que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do
Direito de Família.
5. Na hipótese, a evidente má-fé da
genitora e a incúria do recorrido, que conscientemente deixou de agir
para tornar pública sua condição de pai biológico e, quiçá, buscar a construção
da necessária paternidade socioafetiva, toma-lhes o direito de se insurgirem
contra os fatos consolidados.
6. A omissão do recorrido, que contribuiu
decisivamente para a perpetuação do engodo urdido pela mãe, atrai o
entendimento de que a ninguém é dado alegrar a própria torpeza em seu proveito
(nemo auditur propriam turpitudinem allegans) e faz fenecer a sua legitimidade
para pleitear o direito de buscar a alteração no registro de nascimento de sua
filha biológica.
7. Recurso especial provido.
(STJ - REsp 1087163/RJ, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª T., j. em 18/08/2011, DJe 31/08/2011).
Ex positis,
atento ao que mais dos autos consta e aos princípios de Direito aplicáveis à
espécie, e em harmonia com o membro do Ministério Público,
JULGO IMPROCEDENTE
o pedido formulado na peça vestibular.
Custas não
cobráveis, cf. art. 12 da Lei 1.060/50, e sem honorários, por ambas as partes
representadas pela defensoria pública.
Publique-se,
Registre-se e Intimem-se.
Após o
trânsito em julgado, arquive-se com as cautelas legais.
Bayeux, 3 de dezembro de 2015.
Euler Paulo de Moura Jansen - Juiz de Direito